sábado, 19 de julho de 2008

Eu fui à Lua



Foi com essa sensação que deixei o Planetário do Rio sábado passado. Virgem de sessão de cúpula, me extasiei com os astros na minha primeira vez. Quando as luzes se apagam, o céu sobre a Lagoa cobre o teto da sala de projeção, que logo se escurece, te apresenta ao universo e te leva para um passeio pelo sistema solar.

Antes da decolagem, fiz um rápido reconhecimento do terreno no Museu do Universo. Em cinco minutos, descobri os gnômons e as clepsidras (relógios de sol e de água, respectivamente) e vi uma palavra que me encantou quando a ouvi pela primeira vez na minha adolescência tomar forma: astrolábio (instrumento que mede a altura dos astros e a distância entre eles).

Aprendi que o homem só não vai a Marte porque levaria quase cinco anos só para dar um pulinho lá e voltar decepcionado porque não tem nada demais por aquelas bandas. A temperatura, em alguns pontos, é parecida com a daqui: 27 aprazíveis graus. Ah, e que temos mais uns 5 bilhões de anos para fazer da Terra um lugar melhor para se viver. Esse é o tempo estimado para o sol se expandir e tornar isso aqui um inferno, literalmente.

Essas informações não estão na sessão, são privilégio de quem tem um amigo astrônomo. O ápice do tour pelas estrelas o Bruno deixou para o final, na laje do Planetário. É onde estão espetados uns casulos cujos tetos se abrem para deixar a luz da lua iluminar a escuridão lá dentro: são as cabines dos telescópios. Comecei por Júpiter, que é o pontinho mais brilhante que vemos no céu. Mergulho a cara na lente e em um segundo aquele grão vira um planeta! Vi também os aglomerados Borboleta e Caixinha de Jóias, batizado assim porque suas estrelas são coloridas.

E por último ela, a Lua. Na sessão de cúpula me contive, mas nessa hora soltei o oooohhhhh que o espetáculo merece. Ela está tão incrivelmente pertinho de nós que dá até para ver sua textura. A ilusão é de que basta esticar a mão para tocá-la. É difícil relatar a sensação. Melhor que tentar descrever o indescritível é cortar esse texto aqui e mandar quem me lê para o espaço! Anote aí: a sessão de cúpula acontece de terça a quinta das 18h30 às 19h30, mas só com céu claro. E o bilhete para essa viagem custa só R$ 12. Explore o site do Planetário e faça outras descobertas: www.rio.rj.gov.br/planetario.

sábado, 21 de junho de 2008

Avisos insólitos aos navegantes: fora, porcalhões


Sujismundos, tremei! De frio ou medo. Em uma rua do bairro San Blás, em Cusco, Peru, vizinhos em fúria pregaram esse cartaz no muro, onde advertem sobre o castigo para quem insistir em jogar lixo ou fazer cocô na via pública: prisão ou um balde de água fria na cabeça.

Amigos sem fronteira


Sábado passado me enfiei num ônibus às 23h15 para Campinas. Foram quase sete horas de travessia insone. Cheguei às 5h40 de domingo com as olheiras ainda mais escuras, e trêbada de sono. Voltei para casa 30 horas depois. Cansada, mas feliz. Fui dar um abraço numa amiga que vai morar nos Estados Unidos. A maratona me fez lembrar de uma das coisas mais bacanas que já fiz na vida.

Em outubro de 2004, tentava curar a ressaca de Madri. Meu corpo estava no Rio, mas a cabeça deixei na Rua Marqués de Lozoya. Foi nesse endereço que cumpri o último rito de passagem de filha para mulher independente: tive que aprender a me virar nas tarefas domésticas, não sem antes tingir minhas meias e blusas brancas de azul claro, graças à calça jeans que as acompanhava na máquina de lavar. (Sim, papai e mamãe sempre me deram boa vida!) Lá também tomei meu primeiro porre. Em fevereiro daquele ano, Marce, Esteban, Caro, Rodrigo e Renzo entraram comigo no apartamento. E não saíram mais da minha vida.

Três semanas depois, em novembro, com o coração aos pulos, desço do táxi em Buenos Aires, de madrugada. Toco o interfone e abraço a Caro, às lágrimas. Meu cúmplice e mentor da surpresa internacional, o peruano Renzo, já havia chegado. Doentes de saudade, resolvemos tomar um avião e surpreender os argentinos, que não víamos desde agosto. Simples assim, como se fôssemos dois cariocas combinando uma ida à praia no Rio. Marce, incrédula, tropeçou em nós dois na rua, arrancada de um jantar às pressas pela Caro, que inventou um problema urgente para convencê-la a aparecer na sua casa à 1h.

No dia seguinte, Esteban chegaria de Mendoza para uma prova, igualmente desavisado sobre os visitantes. Caro e Marce esperavam-no na plataforma da rodoviária. Mas quem elas viram primeiro, descendo de outro ônibus, foi o Rodrigo. O gaúcho foi laçado para a aventura na fronteira, recém-chegado da Europa. Ganhou um grito de alegria da Caro e um abraço trêmulo da Marce, assombradamente emocionada com a abrupta reunião da turma.

De lá para cá, sigo meus Fab Five pela América Latina: com eles já mergulhei no Caribe, subi o Wayna Picchu para ver as mais famosas ruínas incas e descobri a montanha arco-íris de Purmamarca. Através deles, conheci mais gente interessante. Por eles, transformo em virtual a distância real que nos separa.

domingo, 8 de junho de 2008

A matemática dos olhos verdes

Essa é de um amigo sedento que costuma matar sua sede nas paisagens da costa fluminense.

- Ele chegou! - anunciou a assessora.

A secretária de Admininstração suava. O terror das prefeituras já estava na recepção. O órgão externo responsável pelo controle das contas não teve pena daquele pequeno município litorâneo e mandou seu inspetor mais rígido para virar do avesso planilhas, folha de pagamento, licitações. A secretária já sabia que nas finanças da cidade 2 + 2 nem sempre davam 4. E enxugava a gota gorda de suor que escorria pelo pescoço.

- Bom Dia. Quero ver todos os processos de licitação de janeiro a dezembro deste ano - ordenou o inspetor.

- Mas é muita papelada. O senhor não prefere conferir um mês de cada vez? - disse a secretária.

- Não. Quero tudo nessa mesa em meia hora.

Em meia hora quilos de papel começaram a entrar pela sala em um carrinho desses de transportar caixas. Eram tantos processos que nem dava para ver quem em estava atrás daquela pilha. Quando o 0001/2007 baixou na mesa deu para ver os primeiros fios de cabelo louro. Ao descarregar o 0002/2007, surgiram olhos cor de esmeralda emoldurados por cílios imensos. No 0005/2007, os peitos quase pularam do decote em cima do inspetor. Aquele baixinho barrigudo não ficaria imune a Ana Maria. Não havia funcionário que não salivasse ao vê-la desfilar na repartição.

- O senhor deseja mais alguma coisa? - perguntou a funcionária, bem de-va-ga-ri-nho, apoiando os cotovelos na mesa.

- Não - disse ele, que baixou os olhos e continuou na sua fúria investigadora.

Passou o primeiro, o segundo, o terceiro dia e nada. O cara era uma rocha. Nada o desconcentrava. Pior, notaram que quando Ana Maria entrava na sala a sanha inquisidora do inspetor aumentava. O plano de mandar a gostosa distraí-lo foi por água abaixo.

No quarto dia, Ana Maria não apareceu. Voltou para sua função. O fiscal não parava de fazer anotações e pedir xerox dos processos. Crescia a certeza de que a prefeitura seria condenada. A secretária resolveu escalar logo um advogado para acompanhá-lo. Foi decidido que Adriano seria a sombra do inspetor. Na quinta-feira, ele apareceu com a folha de pagamento de junho.

- Bom dia - saudou o advogado, um jovem alto, de cabelos negros e olhos verde-claros, realçados pela pele morena.

- Bom dia! - respondeu o inspetor, numa simpatia jamais vista.

A inspeção ainda demorou bastante. Mas tudo mudou depois daquela quinta-feira. O inspetor virou amigo da secretária. Em vez de caretas, distribuía sorrisos. Em seu relatório, concluiu que as contas do município eram transparentes, claras... como os olhos de Adriano.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

O Rei do Rio

Eles estão por toda parte. Onde quer que você vá no Rio tem um gaúcho. Na casa em frente a dos meus pais tinha um do tipo caricatura, com bigodão. No meu trabalho há pelo menos 'trées'. A namorada do meu irmão não é de lá mas usa 'capaz' como vírgula e bebe chimarrão com a mesma freqüência com que eu tomo mate gelado. Hoje, a tietagem explícita de uma colega ao mais carioca dos gaúchos -- que ela encontrou na praia, claro -- me levou de volta a minha primeira viagem a Porto Alegre, em 2006.

O papo começou no Jornalismo e acabou no futebol.

- O cara ganhou uma Libertadores e o Campeonato Mundial para o Grêmio, era ídolo do Brasil todo, mas foi para o Rio e mudaram o nome dele - me dizia o gremista, chateado.

- Ele não é Renato Gaúcho! Ele é O Renato!!! - completou, indignado, e ainda não resignado, 20 anos após o craque ter se mudado para cá e ganhado o apelido que o diferenciava dos xarás da bola.

- Os outros que mudassem de nome, ele NÃO!!!

Para mim é impossível imaginar a arquibancada festejando o jogador sem aquela cadência RENAAAATO... GAÚÚÚÚÚCHO, batendo palmas com as mãos para cima. Não dá para soltar um RENAAAATO PORTALUUUUUPPI. Mas ele tá identificado assim na página oficial do Grêmio na Internet, na galeria dos heróis do clube. Só no pé da matéria admitem que ele "carregaria para o resto da carreira" o apelido famoso. Orgulhosos, os sulistas não reconhecem na alcunha uma homenagem às coisas boas do Sul. Quando ele aparece por lá, o Olímpico ainda vibra de saudade. Soltam um RENATOOOO ou simplesmente NAAAAAAAATO, que, fala sério, é fofo demais e não combina com ele.

Pois nunca se soube que o atleta se incomodasse com o novo nome. Graças a esse batismo as novas gerações sabem sua origem já que ele adotou o carioca way of life: virou craque no futevôlei, fez da praia seu quintal e, aos pouquinhos, foi transformando a marra em malandragem. O sotaque ele botou na mala e despachou para o Rio Grande do Sul faz tempo.

Tudo bem, se os riograndenses se ofendem com o Gaúcho que grudamos nele, podemos mudar isso. Agora ídolo também dos tricolores daqui e com a mão já roçando a taça da Libertadores, teremos orgulho de rebatizá-lo, definitivamente, de Renato Carioca. E fazer ecoar um ARRA, URRU, O RENATO É NOSSO!!!

P.S.: Pai, Dinho, não troquem a fechadura de casa. No fundo do meu peito continua batendo, calada, uma cruz de malta. Eu juro!!!!

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Babel espanhola

Outro dia revelei o mico de um colega que não sabia espanhol e se enrolou com a língua no sentido físico e abstrato da coisa. Mas saber falar o idioma de Cervantes não te livra de enrascadas. Se as diferenças lingüísticas entre Brasil e Portugal já inspiram um milhão de piadas, imagine conviver com gente de 10 nacionalidades diferentes que falam espanhol? No afã de aumentar meu vocabulário, fui incorporando um regionalismo aqui, outro ali quando vivi em Madri e me metendo em situações embaraçosas. Às vezes soltava uma frase cândida na Espanha que era a maior sacanagem na Argentina.

Logo que cheguei, o problema era a pronúncia. Para que fazer o CH soar como TCH se a palavra era igualzinha em português, por exemplo? Se eles entendem o meu chocolate, tá bom, pensei. Fui usar a mesma lógica para o RR. `Estava atrasada e tive que correr por todo el metro´. Também tasquei um ´Rubinho não é bom corredor´. Sem vibrar a língua no céu da boca, o meu correr e corredor soaram como coger e cogedor para eles. Se estivesse só no meio de espanhóis, menos mal, mas diante de 18 latinos... O grupo explodiu numa gargalhada feroz. Coger é transar e cogedor é garanhão na América do Sul. Tinha acabado de dizer que eu era uma versão sobre trilhos da ´Dama do Lotação´.

A pior armadilha foi um iogurte de morangos. Li lá na embalagem: con trozos de fresa. Não ia continuar usando a palavra pedazos si existia outra, mais diferente do português, mais sofisticada. Legal, desde aquela compra no supermercado meus pedaços viraram trozos. Até que um dia depois do jantar, eu e três argentinos reunidos na cozinha, virei para o meu amigo -- que é praticamente um modelo Armani -- e pedi com a maior gentileza do mundo para que ele me desse, por favor, un trozo de seu chocolate. Ele me respondeu com um sorriso sacana e um dueto de gargalhadas ao fundo. Na verdade eu pedira aquilo dele. Ai, ai.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Chamem as garças

No Norte do estado do Rio de Janeiro, um prefeito estava eufórico com a despoluição do rio que corta a cidadezinha. E queria dar publicidade para a façanha de qualquer maneira. O tema dominou a reunião de secretariado. O desafio empolgou as autoridades. Algumas horas e litros de cafezinho depois a idéia nasceu. E contagiou o alcalde.

- Vai dar até no Jornal Nacional! - emocionou-se o prefeito, já sonhando com a imagem na abertura do telejornal.

A prova de que o curso d´água outrora fedorento estava limpo era linda e singela e comoveria o editor-chefe. Estavam todos convencidos disso.

- Vamos jogar umas garças para nadar lá e aí chamamos a tevê - gritou um secretário, como quem diz eureca!

Uma alma de bom senso na mesa sugeriu primeiro um teste. Foi difícil conter os empolgados, mas, enfim, a turma cedeu. Não sem antes exigir a execução de mais um detalhe.

- Depois a gente compra uns peixes para colocar no rio também - acrescentou o gênio.

A idéia morreu na nascente do rio: a garça virou almoço de vira-lata em dois dias.

A língua capciosa

Um amigo aqui do Rio decidiu passar as férias no litoral catarinense. Já faz um bom tempo, na época os argentinos nem sabiam o que era corralito nem tinham inventado o panelaço. Um peso valia um dólar e eles invadiram a nossa praia com mais fome que nunca. A farra por conta do câmbio era tanta que o apelido deles nas areias lá do Sul era dame dos. Achavam tudo barato e pediam sempre em dobro: dois milhos, duas cervejas, duas caipirinhas...

A praia estava cheia de jovens argentinas calientes também. E uma delas se encantou pelo meu amigo alto e dourado pelo sol. Ele não sabe nem contar em espanhol, mas a coisa andou, ou melhor, correu.

No segundo ato, ela começou a dar instruções. 'Espanhol é fácil, foi tranqüilo, dava para entender tudo', garantiu o moreno. Mas ele não sabia que o 'argentinês' tem uma particularidade que faria a diferença no seu esquenta. Em espanhol, a gente gruda os pronomes que substituem os objetos direto e indireto quando o verbo está no imperativo. E depois se acentua a nova palavra ainda no pedaço que compõe o verbo. Por exemplo: cuéntamelo (contar + me + lo). Mas na Argentina - e no Uruguai é igualzinho -, é bem diferente. Nossos vizinhos subvertem a gramática e fazem da última sílaba, a tônica. Cuéntamelo em 'argentinês' soa contamelô.

Pois bem, além de desconhecer essa manha dos hermanos, ele ainda escutou um ´N´ inexistente na súplica ofegante da argentina, que entrou nos seus ouvidos como chupa melóóóón!!!!.

Meu amigo só descobriu há pouco que errou o alvo em uns dois palmos para cima. Mas garante que matou a fome da portenha.

sábado, 12 de abril de 2008

Perfil grego, cara-de-pau inglesa



Toda história tem pelo menos duas versões. E a cara-de-pau impera na hora de ir contra todas as provas e querer fazer do lado torto, o certo. Veja só a briga entre Inglaterra e Grécia pelas esculturas do Partenon.

Em 2004, visitei a Acrópole e o British Museum com intervalo de menos de um mês. Em Atenas, tentava recompor com a imaginação e um guia as muitas peças que faltavam no Partenon. Se o templo fosse gente diria que ele comeu não o pão que o diabo amassou, mas o que ele vomitou. Construído no século V antes de Cristo, foi bizarramente convertido em paiol pelos turcos quando eles mandavam lá. Virou alvo militar, óbvio. Foi bombardeado e despedaçado em 1687.

Essa foi sua primeira grande destruição. Culpa dos venezianos. A segunda, de acordo com o governo grego, tá na conta do inglês Lord Elgin. Entre 1801 e 1810, ele, embaixador no Império Otomano até 1805, carregou para sua terra metade das esculturas ainda de pé na Acrópole. Em Atenas, lê-se e ouve-se os maiores impropérios contra o sujeito. Em Londres, ele é o cara. Se não fosse por ele, a Humanidade não poderia admirar detalhes daquela maravilha. Eles teriam virado pó pela ação do tempo, da chuva e da poluição. Isso tá escrito numa plaquinha em galeria no térreo do British Museum.

Com todo o óleo de peroba que há na Terra, o redator da homepage do museu enumera e rebate todas as acusações contra o diplomata. "Lord Elgin roubou a coleção". Nããããão, de jeito nenhum. Os turcos autorizaram. "Lord Elgin conseguiu as peças com suborno e pressões". Imagina?! Dar presentes para autoridades locais era costume na época e "os relacionados com as esculturas" só custaram 600 libras. "Lord Elgin vendeu tudo para o governo britânico". "Isso não é verdade". Ele estava arrasado financeiramente, coitado, e pediu 73600 libras para cobrir os custos de anos de dedicação à cultura grega. Foi julgado e absolvido. Pelo Parlamento Britânico. Em troca, teve que levar para casa, rindo, menos da metade do que pediu: 35 mil libras.

Conforme o texto avança, o redator veste ainda mais a camisa para defender porque raios os "mármores do Elgin" -- as obras de arte gregas passaram a ser conhecidas assim na Inglaterra -- estão melhor em Londres que em Atenas. E se supera no argumento definitivo: "A Grécia moderna não poderia ter embaixador melhor no mundo que as esculturas do Partenon no British Museum, bem expostas, num museu de entrada grátis, onde são admiradas por mais de 4,6 milhões de pessoas por ano".


o grego

e vídeo que mostra a galeria com parte do acervo "do Elgin" no British Museum.

sábado, 5 de abril de 2008

Hansel & Gretel e o líder sindical Calamar



Era uma vez, dois irmãos que viviam na floresta. Num belo dia de sol, Hansel e Gretel saíram para buscar gravetos para a lareira e se perderam.

Hansel e Gretel são nossos amigos de infância. Muitos de nós sabíamos contar sua história antes de aprender a juntar B com A. Para nossa sorte, algum tradutor de bom senso percebeu que não dava para enfiar goela abaixo de crianças brasileiras em fase de alfabetização personagens batizados em alemão. Assim, Hansel e Gretel viraram simplesmente João e Maria.

Descobri isso em uma viagem há quatro anos. Mas até hoje essa gentileza que o tradutor fez com a gente gera calorosas e divertidas discussões com meus amigos latinos. "Como vocês traduzem nomes famosos no mundo inteiro?", perguntam com um quê de indignação. O tema é polêmico. Hansel e Gretel são intocáveis. E por que não o é a Coroa Britânica? A Família Real mais famosa do mundo foi rebatizada pelo povo que fala espanhol. Para eles, o herdeiro do trono e sua nobilíssima mãe são o Príncipe Carlos e a Rainha Isabel. Quando trabalhei na Revista Época de Madri brigava muuuuuito para convencer o editor a não tascar um G no Inácio do Lula. Mas o jornal espanhol El País já fez pior. Na época em que nosso presidente era líder sindical, traduziram seu apelido. E o homem virou Calamar, o molusco, sim, o fruto do mar que a gente come. Isso ninguem me contou, eu mesma li.


*****************

Para finalizar, uma listinha de alguns personagens famosíssimos de desenhos animados que periga você achar que são uns desconhecidos se escutar o nome em espanhol. Néstor, um novo amigo argentino, me ajudou a refrescar a memória (che, gracias!).

Pica-pau - Pájaro Loco
Irmãos Metralha - Chicos Malos (´garotos malvados´)
Piu-piu - Piolín
Frajola - Gato Silvestre
Professor Pardal - Giro Sintornillos (algo como ´porca sem parafuso´)
Tio Patinhas - Tío Rico ou Rico MacPato na América Latina e Tío Gilito ou Gilito MacPato na Espanha
Huguinho, Zezinho e Luisinho - Hugo, Paco e Luis na América Latina e Juanito, Jorgito e Jaimito na Espanha
Gastão - Glad Consuerte na América do Sul, Narciso Bello na Espanha e Pánfilo Ganso no México
Ligeirinho - Rapidín

Conheci um chileno, do grupo dos sedentos por viagem, que sempre desfilou pelo continente seu apelido inspirado em um simpático personagem da Disney. Por conta de seu cabelo negro, comprido e desgrenhado, ganhou um novo nome: Tribilín. Carregava-o com orgulho até o dia em que eu lhe contei como chamamos esse amigo do Mickey por aqui: Pateta.

Avisos insólitos aos navegantes: manobra radical


Os avisos insólitos estão de volta! Do Panamá, trouxe esse folheto que convida para loucas aventuras entre árvores, rios e cachoeiras. Mas nada de sexo selvagem na relva. A palavrinha do título significa desfiladeiro ou passagem estreita em espanhol. Só isso.

domingo, 30 de março de 2008

Pret-à-porter sobre trilhos



Se não dá para ser perfeito, dá teu jeito, improvisa. E foi o que fizeram os comissários de bordo do trem que sai de Águas Calientes, onde fica Machu Picchu, para Cusco, no Peru.

Cansadas, voltávamos eu e uma amiga de um dia de maratona morro acima. Como não queríamos perder nada da visita às ruínas mais famosas do continente, já estávamos na rua antes de o sol aparecer. Era setembro de 2007. Madrugamos para pegar o ônibus das 5h30 e garantir que estaríamos entre as 400 pessoas autorizadas a subir Waynapicchu, a montanha colada a Machu Picchu, a que se vê em todas as fotos panorâmicas. Já tínhamos decidido ignorar os conselhos comprovadamente exagerados de um amigo peruano: "volta e meia morre um turista lá". Foi tranqüilo, havia degraus e cordas para tudo que é lado. O fôlego só perdemos com a vista das alturas da incrível construção inca.

Na volta, aí sim mortas de cansaço, tentamos dormir no trem. Impossível. O show ia começar.

Como num avião, os comissários de bordo ofereciam produtos aos passageiros. Mas não era só entregar aquele catálogo, não. A apresentação era mais caprichada e calorosa. Afinal, meio trem ja estava bocejando. Ninguém ia dar a mínima para o folheto.

Eis que o funcionário que há pouco nos servira um café abre abruptamente a cortina que separava o espaço dos assentos do compartimento dos comissários. E pára de lado, ombro esquerdo levemente inclinado para baixo, mãos no bolso. Aperta os olhinhos e arqueia a sombrancelha. Metido num suéter preto e branco ele dispara pelo corredor pisando forte e lançando olhares 43 pelo vagão lotado. Era um desfile de moda para vender roupas de alpaca, animal que dá uma lã finíssima e cara. Apesar de passar longe dos padrões Armani, nosso comissário despertou aplausos e gritinhos das passageiras, o que só fez aumentar sua autoconfiança.

Ele estava super à vontade. O mesmo não se pode dizer da sua colega. Tímida, tentava compensar a falta de jeito com sorrisos. Para sua sorte, havia desinibidas a bordo. Duas adolescentes peruanas nem titubearam quando chegou o convite. Se enfiaram em ponchos e casacos e também distribuíram mãos na cintura e olhares por cima do ombro vagão adentro. A platéia esfriava com as entradas femininas. Mas aí voltava o aspirante a rosto Calvin Klein para inflamar a galera.

E tome olhinhos apertados e cara de mau.

domingo, 23 de março de 2008

A banca pornô

Foi numa esquina movimentada de Buenos Aires, mas bem que poderia ser aqui no Rio.

Era véspera do primeiro dia de férias e o chefe pediu para ontem uma tarefa que ela acreditava ser para dali a dois meses. Teve que trabalhar até as 23h, não havia remédio. Ih... e a encomenda importante para levar na viagem? Já estava até paga. O jeito foi pedir à vizinha para pegar o pacote para ela.

Solícita, a amiga aproveitou que o marido descera com um amigo para comprar bebida para o jantar e terceirizou a tarefa.

- O quê? Você tá me zoando?

- Não, não é piada. É isso mesmo que você ouviu. É na banca aí da esquina. O cara já está esperando ir alguém lá pegar a encomenda.

Os amigos pararam em frente à banca, minuciosamente descrita minutos antes. Era ali mesmo. O estabelecimento também se dedicava a outras mídias além da impressa, outros negócios, digamos. As paredes estavam forradas com DVDs eróticos piratas. Entre anões pervertidos, maratonistas sexuais e afins, pergunta o marido:

- Che, ficou pronta a cópia do 'Chicken Little' e do 'Corcunda de Notre Dame', da Disney? É para aquela moça do 200 que sempre compra desenhos animados aqui.

O jornaleiro olhou para o amigo do cara, sério e vestido de terno e gravata, e despachou logo a dupla enxugando uma gorda gota de suor que escorria pelo pescoço.

- A gente não faz isso aqui, não.

Chicken Little e o Corcunda já não estavam mais ali há algumas horas. Foram fazer companhia a astros pornôs nacionais no porta-malas de um policial das redondezas.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Caribe gaúcho


Já vai tarde o verão que acaba de dar adeus. Aqui no Rio tomamos mais banho de chuva que de mar e até vestimos casaco para enfrentar 16,6 graus há uns dois meses. Eu esperava muito da estação. Voltara de umas férias frustradas no Caribe, em novembro, e queria revanche debaixo do sol carioca.

Antes de aterrissar nas areias da minha cidade, parei três dias em Porto Alegre. A idéia era bater papo com amigos, conhecer melhor a capital do Rio Grande do Sul, sair para dançar. A minha fúria veranista estava guardada para a Cidade Maravilhosa. Mas fui levada para Capão da Canoa, a uma hora e meia da capital sob um céu sem nuvens e o calor com os quais sonhei e não vi em uma semana de férias nos litorais costa-riquenho e panamenho. Me empolguei. Enfiei na mochila biquíni, boné, canga, óculos de sol, chinelo e dois protetores solares ainda lacrados.

Diante da minha animação, meus cicerones gaúchos, constrangidos, passaram a viagem tratando de baixar a bola do litoral rio-grandense. “A praia é horrível”. “Não é banho de mar, é banho de lodo”. “Você entra de branco e sai de preto”. O circo dos horrores incluía até uma tempestade de areia: “Não dá nem para ficar só tomando sol. O vento nordeste é insuportável”. Meu amigo Rodrigo, o irmão e a mãe praticamente pediam desculpas por levar uma moradora do Rio de Janeiro para Aquele lugar.

Eis que numa curva surge o mar de Capão. “Tá verde!”, gritaram, como quem comemora um gol. E não era só: as ondas estavam pequenas, com espuma branquinha e água na temperatura ideal. Ainda tinha uma brisa para aliviar o calor. Um grupo de nativas desconfiadas dava as costas para o mar e se bronzeava no gramado da praça perto da praia. É uma estratégia já habitual, adotada para driblar a tal ventania que, imaginavam, chegaria a qualquer momento.

Depois de uma semana de chuva no Caribe, e várias outras cinzentas no Rio, confesso: peguei a melhor praia dos últimos cinco meses em Capão da Canoa. Colegas gaúchos que vivem aqui duvidam dessa história. Mas eu juro que é verdade!

terça-feira, 18 de março de 2008

Caras e cores da Argentina



Fui matar a minha sede na Argentina. E a saudade sem fim dos amigos que vivem longe.

Em La Cumbre, Córdoba, me esbaldei na festa de casamento de um casal binacional, o peruano Renzo e a argentina María. Para provar que o afeto não tem fronteiras, além do Brasil, Chile, Peru, Espanha e Itália mandaram representantes.

Na Quebrada de Humauaca, no Norte, me surpreendi com a abrupta mudança de montanhas verdejantes para morros áridos com cáctus em profusão. E, em Purmamarca, um arco-íris em forma de rocha, o Cerro de los Siete Colores, alegrou meu dia. Lá também fui apresentada à porção andina do país, com habitantes de pele morena, cabelos negros e traços culturais muito semelhantes aos que vi no Peru.

Por ali também, a quase 4 mil metros de altitude, me perdi no branco das salinas imensas, onde as nuvens pareciam ao alcance das mãos. A sede de fotos era insaciável: eu, toda de preto, contrastava com a brancura daquela lâmina salgada cercada de montanhas. O intenso reflexo da luz do sol praticamente me cegava, mas não me vencia. Mesmo sem identificar direito o que a telinha de minha câmera digital enquadrava, não lhe dava sossego.

E ainda teve a colonial Salta, La Linda, que merece o apelido; a acolhedora Jujuy; as reconstruídas ruínas de La Pucará, em Tilcara; o ônibus antigo e cheio de passageiros com o qual cruzei um rio como se estivesse em uma picape 4x4, a caminho de Iruya; as deliciosas quinoa e carne de lhama de Humauaca.

Mas o melhor da Argentina foram os argentinos.

Inteligente, carinhosa, e ávida por aprender português, a estrela da viagem foi a pequena grande Anaclara, 7 anos de muita perspicácia e curiosidade. Filha dos meus anfitriões, os simpáticos e para lá de gente boa Moncho e Alejandra, moradores de Jujuy. Já em Buenos Aires, aprendi com Néstor, de La Plata, que Herbert Vianna se inspirou em um livro de Jorge Amado para compor Lanterna dos Afogados. Em português perfeito, me contou de seu interesse pela cultura brasileira, que alimenta com programas de televisão verde-amarelos postados na Internet em... Angola! Sua namorada, Rita, me presenteou com a máscara de Kulan, o espírito sedutor feminino dos aborígenes da Terra do Fogo, a quem tenho que honrar.

Os novos amigos foram presente da minha querida hermana Marcela, com quem sempre tenho algo a aprender. Ela, Caro e Esteban compõem minha família argentina.

Pelas cores das montanhas, pelo branco das salinas, pelas antigas e novas amizades grito como o ator de Caballos Salvajes:

LA PUTA QUE VALE LA PENA ESTAR VIVA!


segunda-feira, 3 de março de 2008

Comunicação rápida sobre totoras


Eu, na Idade da Pedra, com saudade das cartas. E os índios de Urus me dando lição sobre como rapidez na comunicação é tudo em qualquer lugar.

A ilha de Urus fica no lado peruano do Titicaca. É a primeira parada para os turistas que vão conhecer esse incrível lago a 3.855 metros de altitude e que mais parece um oceano. Seus moradores não vivem em terra firme. Eles flutuam sobre totoras, uma espécie de junco que eles vão amontoando sobre uma base que lembra um xaxim. Das totoras fazem o chão, a casa, o transporte e a comida (o gosto é bem sem graça). A vantagem é que quando tem briga na tribo ninguém é obrigado a ficar olhando a cara do outro todo dia. É simples: partem a ilha ao meio e cada um que vá boiar para o seu lado.

Pois nesse lugar para lá de rústico, onde faz um frio tremendo e só uma cortina fecha a porta das casas feitas de torora, os caras têm homepage. E orelhão.


domingo, 2 de março de 2008

A saudade também é doce

Sou anacrônica. Amo receber cartas, mas desde que a Internet virou artigo de primeira necessidade, escrever e enviá-las virou excentricidade. Pratiquei com regularidade o hábito com minha família quando vivi em Madri, em 2004. Meu pai até fez um e-mail, fofo, só para se comunicar comigo. Mas não pegou intimidade com a coisa.

Cabia a minha mãe manter o vaivém de envelopes em dia. Além de notícias de casa, chegavam as do Brasil, através de revistas e jornais que paravam na soleira da minha porta. Eu mandava também umas fotos em papel de vez em quando.

Mas minha mãe se superou nas surpresas via Correios. Estávamos perto da Páscoa, fazendo mil planos de viagem quando um envelope retangular e recheado chega às minhas mãos, trazendo um pouco da minha casa para a Espanha.

Era um pedaço de amor e saudade em forma de barra de chocolate.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Em Cuba, pelo tapete vermelho


Já que só se fala em Fidel e Cuba nas últimas 24 horas, hoje o post é sobre a Ilha. Ouvi essa história de um sedento por viagens como eu. De como ele e um bando de jogadores de futebol amador em fim de carreira viveram um dia de celebridade em Havana.

Estávamos eu, Marce, minha parceira de aventuras além fronteira, e Natália, que acabáramos de conhecer e a quem resolvemos seguir em um roteiro nada planejado por Bocas del Toro, no Caribe panamenho. Com o mar pela cintura, conversámos enquanto fazíamos figa para o sol voltar a aparecer. Mas quem apareceu na nossa praia quase deserta foi um coroa argentino bon vivant. Atraído pelo sotaque familiar das minhas amigas de Chascomús e Córdoba, ele chegou e nos hipnotizou com uma história de viagem de matar qualquer sedento de inveja.

Ele e os amigos cinquentões já tinham percorrido meio continente correndo atrás de uma bola. A agilidade já tinha feito as malas e partido há muito tempo, mas a amizade continuou e, por culpa da mesma redonda, foram todos - então quarentões - para um encontro sobre futebol na Ilha de Fidel, que já conheciam. Era para ser mais uma entre tantas viagens e não tinha nada para ser gloriosa se comparada às do passado, quando eram jovens, solteiros e atléticos.

Mas era sábado, 12 outubro de 1997. E eles estavam em Havana.

Viram uma fila que não parava de crescer e foram lá perguntar o que era.

- Che, por que essa fila tão grande?

Os restos mortais de um dos maiores mitos do Ocidente acabara de chegar para ser idolatrado na cidade. Levaram 30 anos para achar o corpo, encontrado em uma vala em Vallegrande, Bolívia. E eles levaram poucos segundos para saber que estavam a alguns metros do que sobrou do Che Guevara.

- Ei, vocês são argentinos?
O sotaque inconfundível funcionou como um interruptor que acendeu um holofote sobre eles.

Compatriotas do herói da Revolução Cubana, eles não podiam ficar largados ali, de pé. Levados pelo braço, sob alguns olhares de admiração, outros de interrogação, eles deixaram para trás centenas de cubanos e foram colocados de cara para o gol. Estavam diante do Che. Diante da História.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Rum com Coca-cola

Um bom viajante sempre volta com a mochila cheia de boas histórias, principalmente sobre os contrastes de costumes. Conversar com nativos e provar um pouquinho do dia-a-dia do lugar que se visita longe dos clichês turísticos fazem parte desse pacote. Mas quando a viagem é um pouco mais longa que as férias convencionais, a gente acaba trazendo na mala alguns hábitos também. O estrangeiro e o familiar se misturam numa coqueteleira cultural. Foi o que aconteceu comigo e com o rum com Coca-cola.

Tudo é culpa dos amigos latinos com quem convivi em Madri. Apesar de viver na Espanha, o contato estreito foi com eles, não com espanhóis. Por isso, a temporada madrilenha foi uma imersão na América Latina. Naqueles seis meses, a Coca-cola passou a ser indispensável, apesar de coadjuvante, nas festas no lar Mercosur, apelido do apartamento onde morava. Os argentinos gostavam de Coca com fernet, mas o hit da casa era rum com Coca-cola, bebida que embalou o único porre para valer da minha vida. A Cuba Libre - que lá era apenas "ron con Coca" - rivalizava com a loura gelada.

Voltei para o Rio de Janeiro e, de vez em quando, furo o bloqueio imposto pelo monopólio da (amarga) cerveja e peço a bebida dos piratas misturada com refrigerante.

- Moço, é mais Coca-cola que álcool, tá?

Se o que serve é ambulante, complemento:

- Faz um desconto aí? Você não vai gastar quase nada da bebida mesmo...

Cada vez que digo isso é como se estivesse pedindo uma pedrinha de gelo na Sibéria. "Isso meu avô bebia quando era jovem", ou risadas de espanto é o que costumo ouvir. Não dos garçons, que já são treinados para manter a fleuma diante de qualquer bizarrice, mas dos que dividem a mesa ou a calçada comigo.

Mas eu, sentindo-me uma estrangeira no meio da boemia carioca, insisto:

- Moço, me dá mais rum com Coca?

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Cleópatra carioca


Impossível esquecer meu aniversário de 13 anos. Há quase 20 anos passei um 10 de julho brincando de Cleópatra e passeando de camelo diante das pirâmides do Egito. Estava lá com minha família para conhecer os pais e irmãos de meu tio egípcio, que já não via o Rio Nilo fazia mais de 10 anos.

As pirâmides e a esfinge são impressionantes, o Nilo é imponente, e rasgar o Saara de carro por uma estrada onde se dirige horas sem encontrar uma alma foi deliciosamente assustador. Mas, para mim, o mais marcante foi a visita a uma cidadezinha chamada Ras El Barr.

Antes de chegar ao Egito, paramos alguns dias em Londres, onde o tio morava com minha madrinha e minha prima. A família que nos recebeu era padrão classe média alta. Teríamos um motorista full time e casa de praia, além de teto no Cairo, claro. Inexperientes em estadas além Greenwich, construímos logo a imagem de conforto que uma viagem assim no Ocidente prometeria. Bastou pisar no aeroporto da capital para ver que estávamos enganados. Ar-condicionado, não havia nem no museu do Cairo. Àquela época, era preciso entrar em lista organizada pelo governo para comprar eletrodomésticos. E a espera era longa. O jeito era se virar para aliviar o calor sufocante com antigos ventiladores de pé. Meu tio estava tão surpreso quanto nós. Já não reconhecia mais o país que deixara para estudar na Inglaterra.

Aí chegou o dia de conhecer Ras El Barr. Tem mar, carioca, malandro, acha que tá em casa. Então lá fomos nós dar uma volta no lugarejo como quem cruza Ipanema, de boné, óculos de sol, short, camiseta e chinelo.

E a cidade parou para ver o doce balanço da família Domingues a caminho do mar. Sob um sol escaldante, mulheres de véu e túnica que só deixava pés e mãos descobertos riam e nos apontavam pelas ruas. Na praia, os homens mergulhavam de short, mas elas só se desfaziam do véu para furar as ondas. Achamos mais prudente ficar na varanda de um restaurante à beira-mar digerindo aquela aula de Antropologia.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Papai Noel azul

Há um lugar aqui no Brasil onde criancinhas se recusam a sentar no colo de um Papai Noel tal qual o conhecemos. Ou onde marmanjos não tomam Coca-Cola porque a marca é vermelho e branca. E tudo por causa do futebol.

Em Porto Alegre, a pior ofensa a um torcedor do Grêmio (cujas cores são branco, preto e azul) é ser confundido com um colorado, um seguidor do Internacional. Logo, vestir vermelho, nem pensar! Conheço um tricolor gaúcho que só vestiu a primeira peça com algum detalhe nessa cor aos 15 anos. A ojeriza vinha de berço. Papai e mamãe felizes na maternidade, chega a freira-enfermeira com o primeiro presentinho: um babador... vermelho. ´Pro meu filho, nãããããooo!´, avisou logo o pai. Tudo bem, eu também não desfilo de rubro-negro por aí despreocupadamente. Mas esse cuidado só vale para o day after de uma goleada ou da conquista de um título pelo Flamengo (arghhh!). Nos outros dias, encaro sem problemas.

Mas na capital gaúcha, tudo que é relacionado a futebol é superlativo. Se alguém que jamais pisou lá for vendado e jogado em um avião, vai saber rapidamente onde está. Se abrir o olho um minuto antes da aterrissagem e olhar pela janela vai ser saudado por um ´Bem-vindo à cidade do campeão do mundo´, em uma placa com um escudo do Grêmio à beira da pista de pouso. Os rivais já esfregam na cara deles o mesmo título há mais de um ano, mas o outdoor continua lá. Em qualquer shopping há um quiosque para os dois times venderem seus acessórios e camisas de todos os tamanhos, para homem, mulher, bebê.

Mas só percebi realmente como o bolso e o sangue (azul) de um gremista têm poder ao passar na frente do estádio Olímpico, sua sede. Os caras que mudaram as cores que vestem o Bom Velhinho desde 1866 - quando ele apareceu pela primeira vez de vermelho e branco em uma ilustração da revista americana Harper´s Weekly - podiam mais.

Na fachada do estádio e abaixo da arquibancada, naquelas placas publicitárias, a Coca-Cola brilha. Em preto e branco. Dá só uma olhada em http://www.gremio.net/news/view.aspx?id=1684. Ah, no Inter o esquema se repete. O azul do Banrisul, o banco do estado, virou vermelho no Beira-Rio.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

A culpa é do frio

Em 2004, vivi em Madri seis meses, os meses mais ricos e divertidos da minha vida. Ganhei uma bolsa para estudar Jornalismo lá com outros 19 profissionais, das américas do Sul e Central. Boa parte do meu bom humor sem fim desses tempos devo aos amigos com quem dividi apartamento no bairro O'Donnell. Éramos seis, de três diferentes nacionalidades. Duas argentinas e um argentino, um peruano e um gaúcho completavam o time.

Todos bonitos, solteiros, simpáticos, inteligentes. Eram 3 contra 3. Mas naquele campo o jogo não passou do 0 x 0.

O apê era uma mansão em um bairro nobre: cinco quartos, camas para sete pessoas, três banheiros, sala imensa, sala de jantar, cozinha com mesa onde cabíamos todos. Ah, e uma suíte com banheira de hidromassagem e espelho gigante. Mas cobertor, nada. Para piorar, o aquecedor era desligado na pior hora, de madrugada, sabe-se lá por quê.

A bolsa não era muito gorda. E todo mundo queria economizar o que podia e não podia para desbravar a Europa. Logo, nada de compras. O jeito era improvisar para não gastar os minguados euros com um edredon. Era fevereiro, inverno, e só tínhamos os lençóis fininhos que couberam nas malas.

Na hora de dormir, eu virava múmia: só deixava as narinas de fora e a roupa que vestia era tanta que mal me mexia. Me escondia em meia dúzia de blusas, meia-calça e meia de lã, cachecol, luva, gorro. Mas não era suficiente. Até que alguém lembrou que os casacos grossos e compridos podiam ser úteis naquele momento difícil. Para também aquecer pés e pernas deitávamos sob uma capa deles em vez de vesti-los. Para a mais baixinha, dois eram suficientes para cobrir todo o corpo. Para o mais alto, três.

O cenário, à noite, já não era nada promissor. Mas o tiro de misericórdia na libido feminina foi dado com o dia claro. Na primeira manhã dos seis sob o mesmo teto, um dos morenos desponta na sala. Cabelo desgrenhado, passos lentos, olhar distraído. E as pernas metidas numa inesquecível calça de flanela apertadinha, bege e quadriculada que só chegava até o meio da canela.

Graças ao frio, estava criada a irmandade Mercosur.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Fogo na cruz

Era a hora de renovar o espetáculo da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém. Na cidadezinha de Fazenda Nova, no interior de Pernambuco, o comerciante Epaminondas Mendonça cismou que um grande teatro ao ar livre, o maior do mundo, daria novo gás à economia local contando a história da morte e ressurreição de Jesus. O ano era 1967. E ele estava certo. Trinta anos depois, patrocínio de multinacional, público de 70 mil pessoas, mas... estava faltando alguma coisa. O mesmo Pôncio Pilatos e o mesmo Cristo batiam ponto ali há 18 anos. Maria era mais nova na casa: 15 anos de via-crúcis.

O que fazer para surpreender o público se não dava para adaptar o final? Nem pensar em experimentalismos, que a platéia, católica, não ia tolerar de jeito nenhum.

A resposta veio da novela O Rei do Gado. Do sucesso global saiu quase todo o novo elenco, e sob o chapéu do cowboy-playboy Marcos Mezenga estava a estrela principal. Fábio Assunção de cabelo comprido era O Jesus Cristo Superstar.

A recepção à novidade foi calorosa. Acompanharam, contritos, a traição de Judas em um palco. A luz se apaga e o lanterninha guia todos para outro cenário grandioso. A luz se acende, o Pilatos do Jackson Antunes (o Charles Bronson brasileiro) lava as mãos. Apaga e acende, via-crúcis. Luz de novo, a crucificação.

Aí, a temperatura subiu pra valer. De barba cerrada e coroa de espinhos, Fábio Assunção trocou a túnica que tudo escondia por aquele trapinho que tapava o básico. Foi quando a galera feminina deixou a fé de lado e se transportou para um show do Wando. Choveram calcinhas e sutiãs aos pés da cruz. E com o som dos amplificadores abafado pelos gritos de "lindoooooo", "gostooooooso", o galã olhou para o céu, concentrou-se e rogou:

-- "Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem".

domingo, 13 de janeiro de 2008

O muso do cemitério

O pecado mora ao lado. Mais precisamente ao sul do Brasil, cruzando a fronteira na altura do Rio Grande do Sul. No único país do mundo onde toda a população acredita que Maradona foi melhor que Pelé. O epicentro da tentação localiza-se em Buenos Aires. O homem mais bonito a que já fui apresentada na vida é argentino. O segundo mais lindo também, e o terceiro, idem. Nem a mulher mais apaixonada, aquela em lua-de-mel, fica indiferente à beleza dos hermanos. Impossível. Por mais que seu radar esteja desligado, vai ter uma hora em que terá que parar o guarda na rua para pedir informação, ou vai levantar a cabeça para agradecer o garçom do café. Aí, invariavelmente, vai se deparar com um modelo Armani. Os amigos, claro, sempre me lembram que o Tévez, aquele que jogou no Corinthians, com cicatriz enorme na cara e dentes horríveis, é de lá. Mas encontrar um sujeito assim nessa cidade é tão raro quanto achar nota de R$ 100 no chão de um ônibus. Para esses amigos eu dedico essa história definitiva sobre os apolos portenhos. Quem me contou foi uma gaúcha.

Duas gurias estavam de férias pela primeira vez em Buenos Aires. Foram fazer o circuito clássico de turista calouro. Passearam pela chique Recoleta e entraram no cemitério, que é ponto turístico com direito a visita guiada. O ápice do passeio é ver onde estão os restos da Evita Perón. Eis que no lugar mais improvável, entre mausoléus e anjos de mármore, fez-se luz. Debruçado, fazendo movimentos vigorosos com um paninho na mão direita, um deus greco-argentino limpava uma tumba. Esse era um Calvin Klein jeans. Moreno, sexy e lustrador de lápide.

Diante do coveiro-muso, elas se olharam e suplicaram:

- Me enterra! Me enterra!

P.S.: Durante alguns anos, há muito tempo, fui repórter policial. Era praticamente uma setorista de cemitério. Freqüentei muito o São João Batista, o Caju, o Jardim da Saudade. E jamais, em tempo algum, vi algo parecido com um Gianecchini jogar uma pá de cal em alguém.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Comédias da vida privada portuguesa

Qualquer dia vão descobrir que 80% da piadas de português são baseadas em fatos reais. Sei de duas histórias que reforçam minhas suspeitas. Ouvi das próprias vítimas. Uma delas é um primo que foi pra terrinha há uns anos tentar fincar raízes. A outra é uma aeromoça que estudou inglês comigo.

Duro e com fome, meu primo entrou numa lanchonete no Porto.

- Por favor, um pastel.
- Queres de quê?
- Ah, sei lá.
- Sei lá não tem.
- Qualquer um tá bom.
- Ó pá, qualquer um também não tem.
- Então tá. Os pastéis são quê?
- De carne e de queijo.
- Me dá um de carne.
- Só tem de queijo.


Num hotel de Lisboa, a aeromoça aperta o botão do elevador. Um minuto depois, a porta se abre.

- Tá subindo ou tá descendo?
- Nem um nem outro. Não estás a ver que ele está parado?


P.S.: Meus pais, todos os meus avós e 4 dos meus cinco tios são lusitanos. A miséria do pós-guerra empurrou minha família pra cá. Atracaram no Rio em 1950 e 1951. Logo, os meus portugas já estão aculturados faz tempo. Lá em casa ninguém dá essas mancadas, não. Eu juro!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Salsa com luvas de boxe


A boa da noite era sair pra dançar em Medellín. Lá fora, chuva e friozinho. Lá dentro, palmeira de plástico, areia e barraca de praia na recepção. Mulheres ganhavam colares havaianos e homens, chapéus de palha que estavam mais pra festa junina que pra clima praiano. No som, só salsa e reguetón. Como na época estava muuuuito na onda latina, tava bom pra mim. Parecia uma danceteria como as daqui - fora as músicas, claro.

Estava enganada.

Eu, três amigos colombianos e um gaúcho, nos sentamos em uma mesa bem em frente ao que parecia um pequeno bar. Era o Oxybar, que vinha com um subtítulo: Recárgate (recarregue-se). Vendiam doses de oxigênio. Você sentava e uma mocinha sexy colocava aquele tubinho em forma de arco e com duas entradas para as narinas. É esse aí mesmo que você está pensando, o dos hospitais, aquele que colocam nos moribundos. Mas, como marketing é tudo (o ´produto´ era oferecido em uns tubos borbulhantes de cores vibrantes), havia clientes. Que onda cheirar oxigênio assim provoca, não consigo imaginar. Eu é que não ia gastar meus pesos colombianos comprando ar!

Mas o mais estranho ficou pra madrugada. Durante a noite, o locutor não parava de convocar as boxers para o confronto. Ofereciam um dinheirinho para quem se animasse. Como lá havia um monte de dançarinas de shortinho pensei que elas iam subir no ringue. Que era só para criar um suspense, que era um show (bizarro) da casa. Que mulher faria isso numa danceteria? Preferiria ficar sem a resposta. Mas como vocês podem ver na foto acima, duas moças que pagaram entrada pra estar ali se animaram. Vestiram as luvas e o protetor de rosto, morderam o de dentes (era ´profissa´ a coisa!) e foram à luta, literalmente. E devem ter sido incentivadas pelos namorados. Porque pra topar subir ali para sair descabelada, amassada e suada só já estando com a companhia garantida, vamos combinar.

Ah, também sorteavam um carro.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Sin tetas no hay paraíso

Calma, o título é não é o que parece. Sin tetas no hay paraíso é o nome de uma minissérie colombiana de sucesso que estreou lá em agosto de 2006. E que inspirou a promoção da danceteria costarricense. A primeira vez que ouvi o título, numa chamada no Canal Caracol, em Bogotá, cai na risada. Meu amigo gaúcho e companheiro de viagem também. Gaiato, perguntou ao nosso anfitrião:

-Eu quero comprar uma camiseta desse programa. Onde eu consigo uma?

Eu pensei: 'deve ser uma novelinha trash estilo comédia de jovem retardado americano na puberdade'. Que nada! O título é a coisa mais kitsch que já ouvi nos últimos tempos, sem dúvida. Mas Sin tetas... é uma mistura de drama com suspense, adaptação de um livro inspirado em histórias reais.
A protagonista, Catalina, é uma adolescente linda e pobre como suas vizinhas de Pereira, uma cidade lá pros lados de Medellín. Tinha o mesmo sonho delas: virar a preferida de um traqueto (traficante) e passar a vida sendo recompensada com muito dinheiro pra gastar com roupas, sapatos e perfumes. Mas, diferente das amigas - a melhor delas era a Jéssica, La Diabla - ela não tinha peitão. E sin tetas no hay paraíso. Logo, para realizar o desejo número 1, a virgem Catalina precisava arrumar o que a natureza lhe negou. Depois de ser rejeitada por um chefão do tráfico por ser lisinha como uma criança, ela topa encarar o guarda-costas do sujeito mesmo. Afinal, ele prometeu arrumar o dinheiro para a cirurgia. Mas, na hora H, no estábulo, o cara não chegou sozinho. E essa é só a primeira das muitas tragédias da vida da Cata.
Apesar daqueles exageros de dramaturgia latina - a mãe dela, favelada, só usava sutiã meia-taça, acordava impecavelmente escovada e com as pestanas imensas, lindas, cheias de rímel preto que não borrava nunca - a minissérie é boa à beça. Não perdia um capítulo em Bogotá. Vim embora antes de ver o final. E rasguei sofregamente o pacote que meu anfitrião me enviou com o livro, alguns meses depois do meu regresso.
Ah, Sin tetas... estréia hoje no canal Telecinco, na Espanha. Eles compraram os direitos e refilmaram a história.

Avisos insólitos aos navegantes 3: ´sin tetas´ não tem festa

A cidade de São José foi prolífica em Avisos Insólitos. Fiquei lá só 4 dias, e a maior parte deles dentro de uma sala de conferência de hotel durante muitas horas. Maratonas de palestras sobre Jornalismo das 9h às 18h. Mas a cidade que produziu a fundação F... prometia. O outro cartaz espantoso vi no El Pueblo, um complexo de danceterias que imita uma vila colonial latina. Uma gracinha. Estávamos rodando, buscando uma opção à salsa - que não existia - quando tropeço com essa promoção ´imperdível´.


.

Sim, é isso mesmo. Você entrava na danceteria, preenchia um formulário e ... ´toda semana vamos escolher uma vencedora que poderá começar sua transformação pessoal e disfrutar do grande prêmio.... um implante de silicone´. Os caras sorteavam peitos!

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Avisos Insólitos aos Navegantes 2

Quando eu li este outro aviso em um restaurante fiquei pensando que añoranzas (saudades) calientes este lugar não desperta em casais costarricenses pra merecer esse cartaz logo na entrada. O pessoal lá deve ser animado porque o estabelecimento não é de mesinha no cantinho, na penumbra, à luz de velas, não. É bem iluminado. E só tem mesão para 10, 20 em um terraço estilo churrascaria. Rola uma festa barulhenta e boa com banda ao vivo e uma espécie de bonecos de Olinda. Estive lá com um grupo de 100 pessoas. Respeitamos a regra da casa.

Avisos Insólitos aos Navegantes

Inauguro pela Costa Rica os Avisos Insólitos aos Navegantes. São cartazes, letreiros ou outdoors tão inusitados que as letras praticamente saltam e me agarram pelo braço. Não há como não fazer uma foto. Foi o que aconteceu em São José, a capital do citado país. Perto da casa do meu amigo costarricense vi essa sigla gigante gritando em uma esquina e o fiz parar o carro, claro.

Se a gente parar pra pensar em todas as promessas de obras megalômanas, verbas milionárias liberadas para empreiteiras, metrô até a Barra da Tijuca para os Jogos Pan-Americanos do Rio (alguém já saltou na estação Alvorada? ou na Riocentro?) até que a sigla para a Fundação para o Desenvolvimento Urbano faz todo o sentido...

Quando a sede encontra a fome

Tenho sede de viagem. No meio de uma já começo a pensar e planejar a outra. E a segunda e a terceira depois da próxima. A essa vontade insaciável de conhecer terras estrangeiras, gente e rever os amigos que fiz mundo afora somei outra. A fome. Fome de escrever. E para jantar logo esse duplo desejo vou dar a partida nesse diário de bordo. Sejam bem-vindos a minha nau.