Rua Lafinur 2988, Palermo, Buenos Aires. Numa sala escura, um vídeo em preto e branco mostra as imagens capturadas por uma câmera em movimento. Enquanto percorre a larga avenida, ela registra uma multidão impossível de calcular organizada em uma fila. São homens e mulheres vestidos com sua melhor roupa. Muitos choram. Onde não há fila, há flores, que tomavam completamente algumas ruas e formavam montanhas na entrada do Congresso argentino. A tela se apaga e nela acende uma mensagem: "Convido-os a me conhecer. Evita Perón".
O impacto na primeira sala do Museo Evita já ganha o visitante. Dá vontade de nem piscar durante o vídeo introdutório sob pena de se perder algum detalhe impressionante. Por 12 pesos, abrem-se as portas do que já foi o Hogar de Transito número 2, um lar provisório onde a primeira-dama argentina acolhia mulheres e crianças sem-teto. Lá elas recebiam cama e comida até que trabalho e casa fossem providenciados para as famílias. A exposição de fotos, roupas e móveis é ufanista, afinal o local é mantido pela Fundação de Pesquisa Histórica Eva Perón, fundada pelas irmãs da homenageada. Uma concessão é feita: vitrine exibe capas de livros que a retratam como santa (com direito àquela manta na cabeça, representação clássica das santas católicas) e outros que a pintam como demoníaca. Mesmo assim o lugar é imperdível e uma aula sobre como montar um culto à personalidade: não há obra social que deixe dúvida sobre a quem se deveria agradecer. Da Fundação Evita criou-se a Ciudad Evita, o Policlínicio Presidente Perón, planejou-se o Hospital de Niños Evita, entre muitos outros. Nos Hogares de Transito, o casal presidencial batizava os bebês nascidos ali. A foto de uma das cerimônias está na parede.
Evita não morreu na Argentina. Pergunte a um hermano o que ele fazia às 20h25 do dia 26 de julho de 1952. Quem nem tinha nascido também sabe que naquele momento morria, aos 33 anos, a "chefe espiritual da Nação". Foi assim que o locutor deu a notícia, no dia seguinte à morte. E, não duvide, é fácil achar quem saiba repetir a notícia dada pela rádio tal qual ouvida há 57 anos. Também, pudera, na época de Perón, a frase das cartilhas de alfabetização mais copiada pelas crianças era "Evita te quiere".
P.S.1: Para assistir a um vídeo de 5 minutos do funeral de Evita, clique aqui.
P.S.2: O que aconteceu com o corpo dessa mulher após a sua morte é ainda mais inacreditável que sua história: ele 'sumiu', depois foi sepultado com nome falso em Milão e só enterrado em Buenos Aires na década de 70. A saga está em "Santa Evita", de Tomás Eloy Martinez, para ser devorado em poucos dias de tão bom.