segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Obra de fachada




Não sei a origem da expressão, mas que o clero espanhol ajudou a difundir as obras de fachada, ah ajudou. Esse belo prédio da foto é, na verdade, puro cenário. Por trás da cortinas nas janelas não tem ninguém, nunca. O casarão tem apenas três metros de profundidade e foi erguido, há séculos, só para combinar com o resto das edificações e fechar o quadrado que forma a praça principal de Santiago de Compostela, onde fica a famosa catedral.


Tem apenas três metros de profundidade

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Estranhezas praianas

Mar calmo + calor + sol = praia cheia. A resposta está certa no Rio de Janeiro. Mas essa equação tem outro resultado planeta afora.  É curiosa a diferença da relação das pessoas com a praia em diversas cidades litorâneas. No Uruguai, por exemplo, só se põe o pé na areia no verão. O clima pode brindar os uruguaios com um veranico maravilhoso que a praia fica deserta. Em abril, caminhei longamente pela orla de Montevidéu debaixo de sol de 30 graus e ao chegar a Pocitos eu e Daniel éramos solitários observadores da areia vazia. Nenhum dos milhares de moradores daquele bairro, cuja orla lembra Copacabana tamanha a quantidade de prédios, aproveitava aquele dia lindo para dar um mergulho.




Punta del Este, o balneário de ricaços uruguaios e argentinos, parecia cenário de filme... de suspense. Centenas de edifícios modernos, com as janelas e varandas envidraçadas brilhando, podiam ser a pista de que algo terrível acontecera... que toda a cidade fora evacuada na véspera da minha chegada. De novo, céu sem nuvens, sem vento, poucas ondas e ninguém na praia. Aí surge um senhor no calçadão, com  um 'Rio de Janeiro' estampado na camiseta, e revela o mistério: "É que aqui as pessoas não sabem aproveitar esse presente de Deus... acabou o verão ninguém vem pra cá, mesmo que faça um calorão".




Mas basta mudar de lugar para ver que os estranhos somos nós. Tente explicar a um espanhol por que a gente não faz top less na praia se os biquínis já mostram quase tudo. Eles não entendem o frisson que um peito de fora pode provocar numa Ipanema lotada. Lá, tirar o sutiã é ato que não obedece a critérios estéticos: senhoras gordinhas também ficam bem à vontade. Mas a calcinha tem que ser grande, fio dental é raro na Barceloneta, por exemplo.

Não me esqueço da cara de assombro de um colombiano ao pisar na areia do Posto 10 num domingo de sol escaldante, às 14h. "Nunca vi uma praia tão lotada em toda a minha vida", disse o amigo, meio assustado, diante da paisagem banal para qualquer carioca.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Antimijões

Sabe aquele cheiro horrível de xixi que fica impregnado nos cantões de ruas mais escondidas? Que tal castigar os mijões fazendo com que eles carreguem consigo esse odor que adoram despejar por aí? Pois foi pensando nisso que a prefeitura de Amsterdã instalou esses dispositivos antiurina. Quando o porcalhão começa a se aliviar, o jato bate na placa de metal e volta para ele.

Vitrines que escondem


Do início do século XX até 1986, se ali já estivesse espetada, essa placa seria cínica e sádica. Seria algo como um "Bem-vindos ao inferno". Afinal, o que esperava um homem ao ingressar no presídio de Punta Carretas, em Montevidéu? As salas e celas de onde ecoavam gritos de torturados deram lugar a prateleiras para onde hoje conflui, feliz, a classe média uruguaia. Saíram as algemas, entraram os cartões de crédito. Desde 1994, o edifício virou um shopping center. Do horror das grades só sobraram a fachada principal e um portal da antiga construção. E nada de placas informando o que diabos significa um arco de pedra monumental dentro do shopping. Afinal, nada de estragar o prazer consumista. O máximo que a jovem atendente do serviço ao cliente revela é que houve uma fuga cinematográfica ali. Dois cliques na Internet e descubro que foi em 1971, quando mais de 100 guerrilheiros do grupo tupamaros conseguiram a liberdade. Uma história escondida pelas vitrines.

 

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Ivo viu a uva ou Evita te quiere



Rua Lafinur 2988, Palermo, Buenos Aires. Numa sala escura, um vídeo em preto e branco mostra as imagens capturadas por uma câmera em movimento. Enquanto percorre a larga avenida, ela registra uma multidão impossível de calcular organizada em uma fila. São homens e mulheres vestidos com sua melhor roupa. Muitos choram. Onde não há fila, há flores, que tomavam completamente algumas ruas e formavam montanhas na entrada do Congresso argentino. A tela se apaga e nela acende uma mensagem: "Convido-os a me conhecer. Evita Perón".


O impacto na primeira sala do Museo Evita já ganha o visitante. Dá vontade de nem piscar durante o vídeo introdutório sob pena de se perder algum detalhe impressionante. Por 12 pesos, abrem-se as portas do que já foi o Hogar de Transito número 2, um lar provisório onde a primeira-dama argentina acolhia mulheres e crianças sem-teto. Lá elas recebiam cama e comida até que trabalho e casa fossem providenciados para as famílias. A exposição de fotos, roupas e móveis é ufanista, afinal o local é mantido pela Fundação de Pesquisa Histórica Eva Perón, fundada pelas irmãs da homenageada. Uma concessão é feita: vitrine exibe capas de livros que a retratam como santa (com direito àquela manta na cabeça, representação clássica das santas católicas) e outros que a pintam como demoníaca. Mesmo assim o lugar é imperdível e uma aula sobre como montar um culto à personalidade: não há obra social que deixe dúvida sobre a quem se deveria agradecer. Da Fundação Evita criou-se a Ciudad Evita, o Policlínicio Presidente Perón, planejou-se o Hospital de Niños Evita, entre muitos outros. Nos Hogares de Transito, o casal presidencial batizava os bebês nascidos ali. A foto de uma das cerimônias está na parede.


Evita não morreu na Argentina. Pergunte a um hermano o que ele fazia às 20h25 do dia 26 de julho de 1952. Quem nem tinha nascido também sabe que naquele momento morria, aos 33 anos, a "chefe espiritual da Nação". Foi assim que o locutor deu a notícia, no dia seguinte à morte. E, não duvide, é fácil achar quem saiba repetir a notícia dada pela rádio tal qual ouvida há 57 anos. Também, pudera, na época de Perón, a frase das cartilhas de alfabetização mais copiada pelas crianças era "Evita te quiere".


P.S.1: Para assistir a um vídeo de 5 minutos do funeral de Evita, clique aqui.
P.S.2: O que aconteceu com o corpo dessa mulher após a sua morte é ainda mais inacreditável que sua história: ele 'sumiu', depois foi sepultado com nome falso em Milão e só enterrado em Buenos Aires na década de 70. A saga está em "Santa Evita", de Tomás Eloy Martinez, para ser devorado em poucos dias de tão bom.