sábado, 26 de janeiro de 2008

Papai Noel azul

Há um lugar aqui no Brasil onde criancinhas se recusam a sentar no colo de um Papai Noel tal qual o conhecemos. Ou onde marmanjos não tomam Coca-Cola porque a marca é vermelho e branca. E tudo por causa do futebol.

Em Porto Alegre, a pior ofensa a um torcedor do Grêmio (cujas cores são branco, preto e azul) é ser confundido com um colorado, um seguidor do Internacional. Logo, vestir vermelho, nem pensar! Conheço um tricolor gaúcho que só vestiu a primeira peça com algum detalhe nessa cor aos 15 anos. A ojeriza vinha de berço. Papai e mamãe felizes na maternidade, chega a freira-enfermeira com o primeiro presentinho: um babador... vermelho. ´Pro meu filho, nãããããooo!´, avisou logo o pai. Tudo bem, eu também não desfilo de rubro-negro por aí despreocupadamente. Mas esse cuidado só vale para o day after de uma goleada ou da conquista de um título pelo Flamengo (arghhh!). Nos outros dias, encaro sem problemas.

Mas na capital gaúcha, tudo que é relacionado a futebol é superlativo. Se alguém que jamais pisou lá for vendado e jogado em um avião, vai saber rapidamente onde está. Se abrir o olho um minuto antes da aterrissagem e olhar pela janela vai ser saudado por um ´Bem-vindo à cidade do campeão do mundo´, em uma placa com um escudo do Grêmio à beira da pista de pouso. Os rivais já esfregam na cara deles o mesmo título há mais de um ano, mas o outdoor continua lá. Em qualquer shopping há um quiosque para os dois times venderem seus acessórios e camisas de todos os tamanhos, para homem, mulher, bebê.

Mas só percebi realmente como o bolso e o sangue (azul) de um gremista têm poder ao passar na frente do estádio Olímpico, sua sede. Os caras que mudaram as cores que vestem o Bom Velhinho desde 1866 - quando ele apareceu pela primeira vez de vermelho e branco em uma ilustração da revista americana Harper´s Weekly - podiam mais.

Na fachada do estádio e abaixo da arquibancada, naquelas placas publicitárias, a Coca-Cola brilha. Em preto e branco. Dá só uma olhada em http://www.gremio.net/news/view.aspx?id=1684. Ah, no Inter o esquema se repete. O azul do Banrisul, o banco do estado, virou vermelho no Beira-Rio.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

A culpa é do frio

Em 2004, vivi em Madri seis meses, os meses mais ricos e divertidos da minha vida. Ganhei uma bolsa para estudar Jornalismo lá com outros 19 profissionais, das américas do Sul e Central. Boa parte do meu bom humor sem fim desses tempos devo aos amigos com quem dividi apartamento no bairro O'Donnell. Éramos seis, de três diferentes nacionalidades. Duas argentinas e um argentino, um peruano e um gaúcho completavam o time.

Todos bonitos, solteiros, simpáticos, inteligentes. Eram 3 contra 3. Mas naquele campo o jogo não passou do 0 x 0.

O apê era uma mansão em um bairro nobre: cinco quartos, camas para sete pessoas, três banheiros, sala imensa, sala de jantar, cozinha com mesa onde cabíamos todos. Ah, e uma suíte com banheira de hidromassagem e espelho gigante. Mas cobertor, nada. Para piorar, o aquecedor era desligado na pior hora, de madrugada, sabe-se lá por quê.

A bolsa não era muito gorda. E todo mundo queria economizar o que podia e não podia para desbravar a Europa. Logo, nada de compras. O jeito era improvisar para não gastar os minguados euros com um edredon. Era fevereiro, inverno, e só tínhamos os lençóis fininhos que couberam nas malas.

Na hora de dormir, eu virava múmia: só deixava as narinas de fora e a roupa que vestia era tanta que mal me mexia. Me escondia em meia dúzia de blusas, meia-calça e meia de lã, cachecol, luva, gorro. Mas não era suficiente. Até que alguém lembrou que os casacos grossos e compridos podiam ser úteis naquele momento difícil. Para também aquecer pés e pernas deitávamos sob uma capa deles em vez de vesti-los. Para a mais baixinha, dois eram suficientes para cobrir todo o corpo. Para o mais alto, três.

O cenário, à noite, já não era nada promissor. Mas o tiro de misericórdia na libido feminina foi dado com o dia claro. Na primeira manhã dos seis sob o mesmo teto, um dos morenos desponta na sala. Cabelo desgrenhado, passos lentos, olhar distraído. E as pernas metidas numa inesquecível calça de flanela apertadinha, bege e quadriculada que só chegava até o meio da canela.

Graças ao frio, estava criada a irmandade Mercosur.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Fogo na cruz

Era a hora de renovar o espetáculo da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém. Na cidadezinha de Fazenda Nova, no interior de Pernambuco, o comerciante Epaminondas Mendonça cismou que um grande teatro ao ar livre, o maior do mundo, daria novo gás à economia local contando a história da morte e ressurreição de Jesus. O ano era 1967. E ele estava certo. Trinta anos depois, patrocínio de multinacional, público de 70 mil pessoas, mas... estava faltando alguma coisa. O mesmo Pôncio Pilatos e o mesmo Cristo batiam ponto ali há 18 anos. Maria era mais nova na casa: 15 anos de via-crúcis.

O que fazer para surpreender o público se não dava para adaptar o final? Nem pensar em experimentalismos, que a platéia, católica, não ia tolerar de jeito nenhum.

A resposta veio da novela O Rei do Gado. Do sucesso global saiu quase todo o novo elenco, e sob o chapéu do cowboy-playboy Marcos Mezenga estava a estrela principal. Fábio Assunção de cabelo comprido era O Jesus Cristo Superstar.

A recepção à novidade foi calorosa. Acompanharam, contritos, a traição de Judas em um palco. A luz se apaga e o lanterninha guia todos para outro cenário grandioso. A luz se acende, o Pilatos do Jackson Antunes (o Charles Bronson brasileiro) lava as mãos. Apaga e acende, via-crúcis. Luz de novo, a crucificação.

Aí, a temperatura subiu pra valer. De barba cerrada e coroa de espinhos, Fábio Assunção trocou a túnica que tudo escondia por aquele trapinho que tapava o básico. Foi quando a galera feminina deixou a fé de lado e se transportou para um show do Wando. Choveram calcinhas e sutiãs aos pés da cruz. E com o som dos amplificadores abafado pelos gritos de "lindoooooo", "gostooooooso", o galã olhou para o céu, concentrou-se e rogou:

-- "Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem".

domingo, 13 de janeiro de 2008

O muso do cemitério

O pecado mora ao lado. Mais precisamente ao sul do Brasil, cruzando a fronteira na altura do Rio Grande do Sul. No único país do mundo onde toda a população acredita que Maradona foi melhor que Pelé. O epicentro da tentação localiza-se em Buenos Aires. O homem mais bonito a que já fui apresentada na vida é argentino. O segundo mais lindo também, e o terceiro, idem. Nem a mulher mais apaixonada, aquela em lua-de-mel, fica indiferente à beleza dos hermanos. Impossível. Por mais que seu radar esteja desligado, vai ter uma hora em que terá que parar o guarda na rua para pedir informação, ou vai levantar a cabeça para agradecer o garçom do café. Aí, invariavelmente, vai se deparar com um modelo Armani. Os amigos, claro, sempre me lembram que o Tévez, aquele que jogou no Corinthians, com cicatriz enorme na cara e dentes horríveis, é de lá. Mas encontrar um sujeito assim nessa cidade é tão raro quanto achar nota de R$ 100 no chão de um ônibus. Para esses amigos eu dedico essa história definitiva sobre os apolos portenhos. Quem me contou foi uma gaúcha.

Duas gurias estavam de férias pela primeira vez em Buenos Aires. Foram fazer o circuito clássico de turista calouro. Passearam pela chique Recoleta e entraram no cemitério, que é ponto turístico com direito a visita guiada. O ápice do passeio é ver onde estão os restos da Evita Perón. Eis que no lugar mais improvável, entre mausoléus e anjos de mármore, fez-se luz. Debruçado, fazendo movimentos vigorosos com um paninho na mão direita, um deus greco-argentino limpava uma tumba. Esse era um Calvin Klein jeans. Moreno, sexy e lustrador de lápide.

Diante do coveiro-muso, elas se olharam e suplicaram:

- Me enterra! Me enterra!

P.S.: Durante alguns anos, há muito tempo, fui repórter policial. Era praticamente uma setorista de cemitério. Freqüentei muito o São João Batista, o Caju, o Jardim da Saudade. E jamais, em tempo algum, vi algo parecido com um Gianecchini jogar uma pá de cal em alguém.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Comédias da vida privada portuguesa

Qualquer dia vão descobrir que 80% da piadas de português são baseadas em fatos reais. Sei de duas histórias que reforçam minhas suspeitas. Ouvi das próprias vítimas. Uma delas é um primo que foi pra terrinha há uns anos tentar fincar raízes. A outra é uma aeromoça que estudou inglês comigo.

Duro e com fome, meu primo entrou numa lanchonete no Porto.

- Por favor, um pastel.
- Queres de quê?
- Ah, sei lá.
- Sei lá não tem.
- Qualquer um tá bom.
- Ó pá, qualquer um também não tem.
- Então tá. Os pastéis são quê?
- De carne e de queijo.
- Me dá um de carne.
- Só tem de queijo.


Num hotel de Lisboa, a aeromoça aperta o botão do elevador. Um minuto depois, a porta se abre.

- Tá subindo ou tá descendo?
- Nem um nem outro. Não estás a ver que ele está parado?


P.S.: Meus pais, todos os meus avós e 4 dos meus cinco tios são lusitanos. A miséria do pós-guerra empurrou minha família pra cá. Atracaram no Rio em 1950 e 1951. Logo, os meus portugas já estão aculturados faz tempo. Lá em casa ninguém dá essas mancadas, não. Eu juro!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Salsa com luvas de boxe


A boa da noite era sair pra dançar em Medellín. Lá fora, chuva e friozinho. Lá dentro, palmeira de plástico, areia e barraca de praia na recepção. Mulheres ganhavam colares havaianos e homens, chapéus de palha que estavam mais pra festa junina que pra clima praiano. No som, só salsa e reguetón. Como na época estava muuuuito na onda latina, tava bom pra mim. Parecia uma danceteria como as daqui - fora as músicas, claro.

Estava enganada.

Eu, três amigos colombianos e um gaúcho, nos sentamos em uma mesa bem em frente ao que parecia um pequeno bar. Era o Oxybar, que vinha com um subtítulo: Recárgate (recarregue-se). Vendiam doses de oxigênio. Você sentava e uma mocinha sexy colocava aquele tubinho em forma de arco e com duas entradas para as narinas. É esse aí mesmo que você está pensando, o dos hospitais, aquele que colocam nos moribundos. Mas, como marketing é tudo (o ´produto´ era oferecido em uns tubos borbulhantes de cores vibrantes), havia clientes. Que onda cheirar oxigênio assim provoca, não consigo imaginar. Eu é que não ia gastar meus pesos colombianos comprando ar!

Mas o mais estranho ficou pra madrugada. Durante a noite, o locutor não parava de convocar as boxers para o confronto. Ofereciam um dinheirinho para quem se animasse. Como lá havia um monte de dançarinas de shortinho pensei que elas iam subir no ringue. Que era só para criar um suspense, que era um show (bizarro) da casa. Que mulher faria isso numa danceteria? Preferiria ficar sem a resposta. Mas como vocês podem ver na foto acima, duas moças que pagaram entrada pra estar ali se animaram. Vestiram as luvas e o protetor de rosto, morderam o de dentes (era ´profissa´ a coisa!) e foram à luta, literalmente. E devem ter sido incentivadas pelos namorados. Porque pra topar subir ali para sair descabelada, amassada e suada só já estando com a companhia garantida, vamos combinar.

Ah, também sorteavam um carro.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Sin tetas no hay paraíso

Calma, o título é não é o que parece. Sin tetas no hay paraíso é o nome de uma minissérie colombiana de sucesso que estreou lá em agosto de 2006. E que inspirou a promoção da danceteria costarricense. A primeira vez que ouvi o título, numa chamada no Canal Caracol, em Bogotá, cai na risada. Meu amigo gaúcho e companheiro de viagem também. Gaiato, perguntou ao nosso anfitrião:

-Eu quero comprar uma camiseta desse programa. Onde eu consigo uma?

Eu pensei: 'deve ser uma novelinha trash estilo comédia de jovem retardado americano na puberdade'. Que nada! O título é a coisa mais kitsch que já ouvi nos últimos tempos, sem dúvida. Mas Sin tetas... é uma mistura de drama com suspense, adaptação de um livro inspirado em histórias reais.
A protagonista, Catalina, é uma adolescente linda e pobre como suas vizinhas de Pereira, uma cidade lá pros lados de Medellín. Tinha o mesmo sonho delas: virar a preferida de um traqueto (traficante) e passar a vida sendo recompensada com muito dinheiro pra gastar com roupas, sapatos e perfumes. Mas, diferente das amigas - a melhor delas era a Jéssica, La Diabla - ela não tinha peitão. E sin tetas no hay paraíso. Logo, para realizar o desejo número 1, a virgem Catalina precisava arrumar o que a natureza lhe negou. Depois de ser rejeitada por um chefão do tráfico por ser lisinha como uma criança, ela topa encarar o guarda-costas do sujeito mesmo. Afinal, ele prometeu arrumar o dinheiro para a cirurgia. Mas, na hora H, no estábulo, o cara não chegou sozinho. E essa é só a primeira das muitas tragédias da vida da Cata.
Apesar daqueles exageros de dramaturgia latina - a mãe dela, favelada, só usava sutiã meia-taça, acordava impecavelmente escovada e com as pestanas imensas, lindas, cheias de rímel preto que não borrava nunca - a minissérie é boa à beça. Não perdia um capítulo em Bogotá. Vim embora antes de ver o final. E rasguei sofregamente o pacote que meu anfitrião me enviou com o livro, alguns meses depois do meu regresso.
Ah, Sin tetas... estréia hoje no canal Telecinco, na Espanha. Eles compraram os direitos e refilmaram a história.

Avisos insólitos aos navegantes 3: ´sin tetas´ não tem festa

A cidade de São José foi prolífica em Avisos Insólitos. Fiquei lá só 4 dias, e a maior parte deles dentro de uma sala de conferência de hotel durante muitas horas. Maratonas de palestras sobre Jornalismo das 9h às 18h. Mas a cidade que produziu a fundação F... prometia. O outro cartaz espantoso vi no El Pueblo, um complexo de danceterias que imita uma vila colonial latina. Uma gracinha. Estávamos rodando, buscando uma opção à salsa - que não existia - quando tropeço com essa promoção ´imperdível´.


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Sim, é isso mesmo. Você entrava na danceteria, preenchia um formulário e ... ´toda semana vamos escolher uma vencedora que poderá começar sua transformação pessoal e disfrutar do grande prêmio.... um implante de silicone´. Os caras sorteavam peitos!

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Avisos Insólitos aos Navegantes 2

Quando eu li este outro aviso em um restaurante fiquei pensando que añoranzas (saudades) calientes este lugar não desperta em casais costarricenses pra merecer esse cartaz logo na entrada. O pessoal lá deve ser animado porque o estabelecimento não é de mesinha no cantinho, na penumbra, à luz de velas, não. É bem iluminado. E só tem mesão para 10, 20 em um terraço estilo churrascaria. Rola uma festa barulhenta e boa com banda ao vivo e uma espécie de bonecos de Olinda. Estive lá com um grupo de 100 pessoas. Respeitamos a regra da casa.

Avisos Insólitos aos Navegantes

Inauguro pela Costa Rica os Avisos Insólitos aos Navegantes. São cartazes, letreiros ou outdoors tão inusitados que as letras praticamente saltam e me agarram pelo braço. Não há como não fazer uma foto. Foi o que aconteceu em São José, a capital do citado país. Perto da casa do meu amigo costarricense vi essa sigla gigante gritando em uma esquina e o fiz parar o carro, claro.

Se a gente parar pra pensar em todas as promessas de obras megalômanas, verbas milionárias liberadas para empreiteiras, metrô até a Barra da Tijuca para os Jogos Pan-Americanos do Rio (alguém já saltou na estação Alvorada? ou na Riocentro?) até que a sigla para a Fundação para o Desenvolvimento Urbano faz todo o sentido...

Quando a sede encontra a fome

Tenho sede de viagem. No meio de uma já começo a pensar e planejar a outra. E a segunda e a terceira depois da próxima. A essa vontade insaciável de conhecer terras estrangeiras, gente e rever os amigos que fiz mundo afora somei outra. A fome. Fome de escrever. E para jantar logo esse duplo desejo vou dar a partida nesse diário de bordo. Sejam bem-vindos a minha nau.