quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Em Cuba, pelo tapete vermelho


Já que só se fala em Fidel e Cuba nas últimas 24 horas, hoje o post é sobre a Ilha. Ouvi essa história de um sedento por viagens como eu. De como ele e um bando de jogadores de futebol amador em fim de carreira viveram um dia de celebridade em Havana.

Estávamos eu, Marce, minha parceira de aventuras além fronteira, e Natália, que acabáramos de conhecer e a quem resolvemos seguir em um roteiro nada planejado por Bocas del Toro, no Caribe panamenho. Com o mar pela cintura, conversámos enquanto fazíamos figa para o sol voltar a aparecer. Mas quem apareceu na nossa praia quase deserta foi um coroa argentino bon vivant. Atraído pelo sotaque familiar das minhas amigas de Chascomús e Córdoba, ele chegou e nos hipnotizou com uma história de viagem de matar qualquer sedento de inveja.

Ele e os amigos cinquentões já tinham percorrido meio continente correndo atrás de uma bola. A agilidade já tinha feito as malas e partido há muito tempo, mas a amizade continuou e, por culpa da mesma redonda, foram todos - então quarentões - para um encontro sobre futebol na Ilha de Fidel, que já conheciam. Era para ser mais uma entre tantas viagens e não tinha nada para ser gloriosa se comparada às do passado, quando eram jovens, solteiros e atléticos.

Mas era sábado, 12 outubro de 1997. E eles estavam em Havana.

Viram uma fila que não parava de crescer e foram lá perguntar o que era.

- Che, por que essa fila tão grande?

Os restos mortais de um dos maiores mitos do Ocidente acabara de chegar para ser idolatrado na cidade. Levaram 30 anos para achar o corpo, encontrado em uma vala em Vallegrande, Bolívia. E eles levaram poucos segundos para saber que estavam a alguns metros do que sobrou do Che Guevara.

- Ei, vocês são argentinos?
O sotaque inconfundível funcionou como um interruptor que acendeu um holofote sobre eles.

Compatriotas do herói da Revolução Cubana, eles não podiam ficar largados ali, de pé. Levados pelo braço, sob alguns olhares de admiração, outros de interrogação, eles deixaram para trás centenas de cubanos e foram colocados de cara para o gol. Estavam diante do Che. Diante da História.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Rum com Coca-cola

Um bom viajante sempre volta com a mochila cheia de boas histórias, principalmente sobre os contrastes de costumes. Conversar com nativos e provar um pouquinho do dia-a-dia do lugar que se visita longe dos clichês turísticos fazem parte desse pacote. Mas quando a viagem é um pouco mais longa que as férias convencionais, a gente acaba trazendo na mala alguns hábitos também. O estrangeiro e o familiar se misturam numa coqueteleira cultural. Foi o que aconteceu comigo e com o rum com Coca-cola.

Tudo é culpa dos amigos latinos com quem convivi em Madri. Apesar de viver na Espanha, o contato estreito foi com eles, não com espanhóis. Por isso, a temporada madrilenha foi uma imersão na América Latina. Naqueles seis meses, a Coca-cola passou a ser indispensável, apesar de coadjuvante, nas festas no lar Mercosur, apelido do apartamento onde morava. Os argentinos gostavam de Coca com fernet, mas o hit da casa era rum com Coca-cola, bebida que embalou o único porre para valer da minha vida. A Cuba Libre - que lá era apenas "ron con Coca" - rivalizava com a loura gelada.

Voltei para o Rio de Janeiro e, de vez em quando, furo o bloqueio imposto pelo monopólio da (amarga) cerveja e peço a bebida dos piratas misturada com refrigerante.

- Moço, é mais Coca-cola que álcool, tá?

Se o que serve é ambulante, complemento:

- Faz um desconto aí? Você não vai gastar quase nada da bebida mesmo...

Cada vez que digo isso é como se estivesse pedindo uma pedrinha de gelo na Sibéria. "Isso meu avô bebia quando era jovem", ou risadas de espanto é o que costumo ouvir. Não dos garçons, que já são treinados para manter a fleuma diante de qualquer bizarrice, mas dos que dividem a mesa ou a calçada comigo.

Mas eu, sentindo-me uma estrangeira no meio da boemia carioca, insisto:

- Moço, me dá mais rum com Coca?

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Cleópatra carioca


Impossível esquecer meu aniversário de 13 anos. Há quase 20 anos passei um 10 de julho brincando de Cleópatra e passeando de camelo diante das pirâmides do Egito. Estava lá com minha família para conhecer os pais e irmãos de meu tio egípcio, que já não via o Rio Nilo fazia mais de 10 anos.

As pirâmides e a esfinge são impressionantes, o Nilo é imponente, e rasgar o Saara de carro por uma estrada onde se dirige horas sem encontrar uma alma foi deliciosamente assustador. Mas, para mim, o mais marcante foi a visita a uma cidadezinha chamada Ras El Barr.

Antes de chegar ao Egito, paramos alguns dias em Londres, onde o tio morava com minha madrinha e minha prima. A família que nos recebeu era padrão classe média alta. Teríamos um motorista full time e casa de praia, além de teto no Cairo, claro. Inexperientes em estadas além Greenwich, construímos logo a imagem de conforto que uma viagem assim no Ocidente prometeria. Bastou pisar no aeroporto da capital para ver que estávamos enganados. Ar-condicionado, não havia nem no museu do Cairo. Àquela época, era preciso entrar em lista organizada pelo governo para comprar eletrodomésticos. E a espera era longa. O jeito era se virar para aliviar o calor sufocante com antigos ventiladores de pé. Meu tio estava tão surpreso quanto nós. Já não reconhecia mais o país que deixara para estudar na Inglaterra.

Aí chegou o dia de conhecer Ras El Barr. Tem mar, carioca, malandro, acha que tá em casa. Então lá fomos nós dar uma volta no lugarejo como quem cruza Ipanema, de boné, óculos de sol, short, camiseta e chinelo.

E a cidade parou para ver o doce balanço da família Domingues a caminho do mar. Sob um sol escaldante, mulheres de véu e túnica que só deixava pés e mãos descobertos riam e nos apontavam pelas ruas. Na praia, os homens mergulhavam de short, mas elas só se desfaziam do véu para furar as ondas. Achamos mais prudente ficar na varanda de um restaurante à beira-mar digerindo aquela aula de Antropologia.